sábado, 30 de março de 2013

A Saúde como Elemento para Repensar a Prática do Ensino


A Saúde como Elemento para Repensar a Prática do Ensino

Por Juliana de Souza







Ensinar já foi visto como um dom, uma função de alto valor social , valorizada pelos cidadãos  e assumida pela sociedade como uma atividade pública. Atualmente essa atividade perdeu esse sentido totalmente.
Devido ao aumento do capitalismo, novas modificações foram  promovidas e a educação passou a ser vista como mercadoria , visando sempre obter  lucro. Um exemplo disso é a prática de ensino. A educação tornou-se um dos setores mais lucrativos sendo um investimento que gera um retorno imediato desencadeado pelo desmoronamento  da educação gratuita e pública. Assim, é possível  aplicar à essa atividade a lógica de produção capitalista , possivelmente gerenciando aqueles que produzem tal “mercadoria” (os professores) , como se gerencia os trabalhadores de uma fábrica. Assim , várias regras como as aplicadas aos demais trabalhadores dos setores primário e secundário da economia foram aplicadas aos professores:   controle de produtividade, do ritmo de trabalho, do tipo de tarefa a executar, tempo para sua execução, da jornada e carga de trabalho necessárias.
Inicialmente esse processo passou pelo desmoronamento da educação pública , obrigando assim cada vez mais os professores a ingressarem na rede privada de ensino que se assemelha muito a uma empresa capitalista submetendo-se ao mesmo sistema de exploração ao qual estão subjugados os trabalhadores em geral: instabilidade no emprego, intenso ritmo de trabalho, amplas jornadas de trabalho. A partir dessa ideia de educação vamos procurar entender a relação saúde/doença do professor.
O trabalho humano possui um duplo caráter, por um lado é fonte de realização, satisfação e prazer, estruturando e conformando o processo de identidade dos sujeitos; por outro, pode também transformar-se em elemento patogênico, tornando-se nocivo à saúde (Seligmann-Silva, 1987, Dejours, 1987).
Com o avanço da medicina social , houve uma conscientização maior  dos profissionais de saúde quanto à necessidade de constantes serviços voltados para a prevenção e promoção da saúde antes que ocorra a patologia. Com isso , os trabalhadores e seus representantes estão buscando mais  medidas que garantam ambientes ocupacionais saudáveis( pode-se observar o incremento dos estudos das relações entre condições de trabalho e saúde dos trabalhadores).
No entanto, a maioria das investigações está voltada para categorias de trabalhadores onde a inter-relação entre trabalho e saúde é mais visível, pela própria natureza da atividade, como contato com equipamentos cortantes ou substâncias tóxicas). No Brasil, pouco tem sido feito no sentido de avaliar os efeitos do trabalho sobre a saúde nas  categorias de trabalhadores onde os riscos são menos aparentes, como por exemplo em professores. A maior parte da bibliografia encontrada sobre esse assunto  em questão é originária de outros países.
Há um comum acordo nesses estudos, de que ensinar é um ofício altamente estressante, com efeitos evidentes na saúde física e mental, e no desempenho profissional dos professores.
O professor é acometido de intensa ansiedade e estresse devido à vários fatores , entre eles estão pressão do tempo ,relacionamento com a administração e outros colegas de trabalho, ameaças verbais e físicas feitas pelos alunos , tarefas extra-classe, reuniões e atividades adicionais e, problemas com estudantes . Todo esse estresse tem um grande impacto na saúde do professor, principalmente na parte psicológica, podendo levar à depressão e falhas cognitivas.
Segundo pesquisa feita pela Organização Internacional do Trabalho , um em cada dois professores avaliados  estava exposto ao risco de sofrer um ataque cardíaco ; entre docentes da Hungria observou-se maior prevalência de distúrbios causados por estresse, labirintite, faringite, neuroses e doenças dos aparelhos locomotor e circulatório em professores; entre educadores franceses, segundo dados oficiais, 60% dos pedidos de licença por motivo de doença estavam relacionados a distúrbios nervosos. Além disso, observou-se, entre pessoas hospitalizadas por doenças mentais, maior incidência de neuroses com depressão entre os docentes do que em outras áreas profissionais. Na Inglaterra, um estudo realizado em 1978, mostrou que 25% dos professores não acreditavam na própria permanência na profissão pelos próximos dez anos, e 20% a 30% deles qualificaram-na como causadora de estresse.
Nos Estados Unidos, DeFrank & Stroup (1989) estudaram professores de escolas elementares para analisar  a relação entre fatores pessoais, estresse, insatisfação no trabalho e problemas de saúde. Dos indivíduos estudados 96% eram mulheres, 76% casadas, com média de idade de 39, 4 (±9,2) anos e ensinando, em média, 12,1 (±6.9) anos. De acordo com o instrumento de avaliação de estresse usado , os itens relatados com mais frequência foram sobrecarga laboral e problemas com os alunos (mencionados como "tentativas contínuas de motivar estudantes que não desejam aprender").
Os problemas de saúde mais frequentes foram: perda de energia, impaciência, dores de cabeça, hiperalimentação, aumento da irritabilidade e dores na coluna. Em sessão aberta do questionário, os professores qualificaram como principais fatores de estresse: avaliações, tempo insuficiente para as tarefas determinadas , preocupações diárias (trabalho de casa, currículos, reuniões), responsabilidades extracurriculares, problemas com os pais que não se preocupavam com a vida escolar do aluno e falta de tempo para a família. Fatores demográficos e experiência de ensino não influenciaram estresse. Estresse apareceu como um forte preditor de insatisfação e esta mostrou-se fortemente associada aos problemas de saúde.

No Brasil, as referências de estudos abordando as condições de saúde e trabalho dos docentes são ainda escassas e, apenas na segunda metade da década de 90, foram feitas algumas investigações, abordando as condições de saúde e trabalho da escola pública. As evidências encontradas nesses estudos são preocupantes e apontam a importância de serem tomadas medidas imediatas. A investigação de Codo et al. (1998) sobre a saúde mental dos professores de 1º e 2º graus em todo o país, abrangendo 1440 escolas e 30.000 professores, revelou que 26% dos professores da amostra estudada apresentavam exaustão emocional (cerca de 1 professor a cada quatro estudados). Essa proporção variou de 17% em Minas Gerais e Ceará a 39% no Rio Grande do Sul. A desvalorização profissional, baixa auto-estima e ausência de resultados percebidos no trabalho desenvolvido foram fatores importantes para o quadro encontrado.
Ruiz et al. (1995), investigaram a demanda de professores de 1º e 2º graus da rede pública de Sorocaba, São Paulo, num ambulatório especializado em saúde ocupacional. A procura por atendimento foi periódica nos semestres: no começo do ano era pequena, nos meses seguintes aumentava, no início do 2º semestre diminuía novamente, e outra vez aumentava no final do ano.
Durante as férias, a procura registrada era mínima. Segundo os autores, esse comportamento da demanda favorece a hipótese de que a procura do cuidado médico e, consequente afastamento do trabalho, era maior no decorrer do período letivo, revelando um desgaste crescente dos professores. Dentre as doenças mais frequentes encontraram a laringite, que representou 39,8% dos diagnósticos realizados, seguida pela asma ocupacional (15,3%), alergia ocupacional (6,8%) e lesões por esforços repetitivos (LER).
Carvalho (1995), analisando professoras primárias na cidade de Belém, encontrou níveis mais elevados de suspeita de sintomas psíquicos (de acordo com o instrumento de detecção utilizado: o MMPI), em escolas onde se relatou um relacionamento menos democrático com a direção, do que naquelas onde predominavam relações mais democráticas.
Os dados examinados mostram um conjunto de repercussões nocivas do trabalho na saúde dos docentes, ainda que não seja tão evidente como em outras categorias profissionais.
No entanto, a grande maioria dos estudos investigou escolas públicas. Considerando que o ensino em escolas particulares, em muitos aspectos se distingue, radicalmente, das escolas públicas, Se torna importante a avaliação da saúde dos professores, no contexto específico das escolas particulares. Essa necessidade é mais ampla quando o crescimento acelerado do número dessas escolas é considerado, observado no Brasil nos últimos anos.


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